martes, 3 de enero de 2012

"O Brasil tem a taxa de retorno mais confiável do mundo"

O executivo paulista Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Bradesco, o segundo maior banco privado do País, começa 2012 com uma marca que deixaria qualquer político com inveja.

O executivo paulista Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Bradesco, o segundo maior banco privado do País, começa 2012 com uma marca que deixaria qualquer político com inveja. Em seis meses, Trabuco, 61 anos, formado em filosofia, abriu 1.003 agências para compensar a perda da rede do Banco Postal para o Banco do Brasil. Além de apostar no crescimento da economia (Trabuco prevê que o PIB cresça, no mínimo, 4,5% em 2012, em linha com as estimativas do ministro Guido Mantega, da Fazenda), ele acredita que não haverá uma ruptura na Europa neste ano. Trabuco também defende a atuação do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) na venda de bancos médios com problemas. O presidente do Bradesco recebeu a DINHEIRO no QG do banco, a Cidade de Deus, em Osasco, município da Grande São Paulo.

DINHEIRO – O Bradesco inaugurou mais de mil agências em seis meses. O banco está tão otimista, assim, com a economia?
LUIZ CARLOS TRABUCO – Sim. O ano passado começou com o temor da inflação e terminou com a desaceleração da economia. Estamos começando 2012 na ponta oposta. A inflação está sob controle, temos claramente uma desinflação das commodities e dos alimentos. Então, seguramente, neste ano a inflação ficará no centro da meta. Espero um crescimento mais acelerado, sem preocupações com a inflação. As condições para reduzir os juros estão dadas. Juro mais baixo, reversão das medidas macroprudenciais e redução de impostos vão gerar um crescimento superior a 4,5%, podendo chegar a 5%.
 
DINHEIRO – Por que o sr. espera esse crescimento, compartilhado por poucas pessoas, mesmo no próprio governo?
TRABUCO – Os dissídios trabalhistas e o aumento do salário mínimo já estão garantindo um aumento real da massa salarial para o ano que vem acima de 6%, e isso vai puxar a venda de bens de consumo. Os bens de capital serão impulsionados pelos investimentos em infraestrutura, e o BNDES vai ser mais ativo. Um vetor muito importante é a reversão das medidas macroprudenciais, facilitando a concessão de empréstimos de longo prazo. Com isso, no limite da prudência, o crédito contribuirá muito para aquecer a economia. Será uma política anticíclica, com impacto sobre o consumo de bens duráveis.
 
DINHEIRO – Quanto a carteira de crédito do Bradesco vai crescer? 
TRABUCO – Imaginamos algo entre 18% e 20%.

Na mosca: a realidade mostrou o acerto da decisão do BC, presidido por Alexandre Tombini.

DINHEIRO – A inadimplência não preocupa?  
TRABUCO – Não. Para nós, o aumento da inadimplência foi residual, de apenas 0,2 ponto percentual. O aumento da massa salarial deve contribuir para reduzi-la. O endividamento das famílias não é alto e comporta um crescimento do crédito equivalente a 2% do PIB. Ou seja, em 2012, a relação entre crédito e PIB deve chegar a 50%.
 
DINHEIRO – Como o sr. avalia o primeiro ano do governo Dilma? 
TRABUCO – Seu nível de aprovação é o maior entre todos os presidentes em primeiro ano de mandato. Isso é reflexo da confiança das pessoas na economia.
 
DINHEIRO – Foi uma surpresa positiva? 
TRABUCO – Sentimos uma sintonia muito forte entre as autoridades da política econômica, o Ministério da Fazenda e o Banco Central, com os ministérios voltados ao apoio à produção. Uma prova disso foi a rapidez de decisão em 2011. O governo entendeu logo que as incertezas internacionais poderiam bater no Brasil. O governo, por sinal,  tem diversos trunfos na mão. A taxa de juros é muito alta, o que dá margem a uma política monetária pró-crescimento, e há ainda os R$ 450 bilhões em depósitos compulsórios, que podem ser liberados. Há também o bônus macroeconômico do mercado interno, da ascensão social no País. Nós abrimos mais de mil agências em seis meses por acreditarmos que mais 6 milhões de pessoas serão “bancarizadas”.
 
DINHEIRO – Houve muitas críticas à comunicação do Banco Central quando os juros caíram. O BC estava certo? 
TRABUCO – A realidade mostrou o acerto do BC. Ele tem uma visão privilegiada da economia e agiu de forma adequada ao reduzir os juros mais rapidamente  do que o mercado esperava. O mundo todo está praticando juros negativos. Há políticas extremamente frouxas para tentar trazer a retomada do crescimento, primeiro nos Estados Unidos e agora na Europa.
 
DINHEIRO – Como deve evoluir a crise na Europa e qual o impacto para o Brasil? 
TRABUCO – Não acredito em uma ruptura na Europa. O crescimento vai demorar mais para voltar, mas a ruptura a cada dia é menos provável, porque há muita liquidez. A crise não é de liquidez nem bancária, é de dívida soberana. Então, temos de resolver os problemas para que os portadores da dívida soberana não levem um calote. O euro é um ganho histórico inimaginável: se deixasse de existir seria um retrocesso. Quando há uma crise de confiança, os agentes econômicos ficam na defensiva, mas eles são muito antenados. A qualquer sinal de retomada, a liquidez vira investimento. O Brasil se tornou um objeto de desejo dos investidores internacionais por causa da taxa de retorno, que é seguramente, a mais confiável do mundo. Comparando com os outros BRICs, aqui há uma democracia consolidada, Judiciário funcionando, estabilidade de regras. Em 2011 recebemos US$ 60 bilhões de investimento direto estrangeiro, em 2012 devem vir outros US$ 50 bilhões.
Empréstimos: livres das restrições do BC, linhas devem estimular venda de bens duráveis em 2012.
 
DINHEIRO – Como estão as linhas de crédito externas? 
TRABUCO – Sem problemas, não faltam linhas de comércio exterior. No nosso caso, renovamos todas sem dificuldade. 
 
DINHEIRO – O sr. se sente confortável com o Fundo Garantidor de Crédito assumindo funções análogas às do Banco Central com dinheiro privado? 
TRABUCO – O FGC tem um papel fundamental, não apenas garantindo a solvência por meio da intermediação de compra de carteiras de crédito, como também fornecendo liquidez para os bancos com os depósitos garantidos, os DPGEs. Isso mantém um nível muito bom de competição entre as instituições financeiras. O FGC desempenha um papel importante no sistema. A melhor forma de imaginar sua importância é pensar como seria se ele não existisse. Mas, claro, nestas questões de regulação, tudo pode ser aperfeiçoado. 
 
DINHEIRO – O sr. é a favor da entrada de um conselheiro do BC no Fundo? 
TRABUCO – Prefiro não opinar. Mas acho bom que o Conselho do FGC seja ampliado e tenha participantes de todo o sistema financeiro. Ele é um fundo com funções voltadas para o bem coletivo, mas é de administração privada. É isso que dá a ele a capacidade de arbitrar e ser proativo, sempre visando a estabilidade do sistema. 
 
DINHEIRO – Mas está correto o FGC intervir e ajudar na fusão de bancos?
TRABUCO – Sim, o Fundo está no papel dele. O estatuto do FGC contempla essa possibilidade de ajudar no processo de depuração do sistema. Ele é credor dos bancos liquidados e participa do encontro de contas de algumas instituições que sofreram intervenção há décadas. É da vocação dele resolver problemas do sistema. Evidentemente, podemos discutir até onde essa ajuda pode ir.
 
DINHEIRO – O Bradesco tem algum interesse em novas aquisições? 
TRABUCO – Não. Nós chegamos a um tamanho bastante razoável. Temos escala suficiente para nos adaptar aos ciclos da economia. Na consolidação do varejo, os bancos de cobertura nacional foram adensados em dois públicos, dois privados e dois estrangeiros. Os demais são bancos de produtos, de nicho. Nós optamos por ser um banco reconhecido pela capacidade de distribuição, e por isso estamos fazendo esse esforço do aumento da rede de agências. 
 
DINHEIRO – O banco chegou a fazer proposta pela Losango? 
TRABUCO – Analisamos, mas não houve sequência. O processo de venda está interrompido por ora. 
 
DINHEIRO – Há alguma expectativa de tentar retomar a liderança em ativos do Itaú Unibanco? 
TRABUCO – Não estamos focados nisso. Queremos aumentar nosso market share em vários produtos. É um processo gradativo, de construir a presença nas pequenas e grandes cidades, e isso nos faz extremamente competitivos. Queremos preservar nossa capacidade de competição no novo Brasil, que deverá ser em dez anos a quinta ou quarta economia do mundo e incluir milhões de brasileiros no mercado de consumo. 
 
DINHEIRO – Nesse contexto de maior importância, o Brasil terá um banco 
global? Qual a estratégia de internacionalização do Bradesco? 
TRABUCO – A nossa internacionalização se fará pelo banco de investimento, pela corretora, pela gestora de recursos, mas não pelo varejo. Nossa presença na Argentina, nos Estados Unidos, no México, na Europa e, agora, em Hong Kong, onde vamos inaugurar uma nova unidade da Bradesco Securities, é uma plataforma de relacionamento corporativo. A crise econômica afetou aquela concepção dos bancos globais. Nenhum banco da Europa continental quer ser um banco de varejo no Brasil, e vice-versa. As finanças estão globalizadas, o fluxo de capitais continuará intenso. Mas as instituições financeiras, cada vez mais, estarão centradas nos seus países de origem. 
 Antonio Carlos Bueno, presidente do FGC: missão de intermediar as fusões.

DINHEIRO – O modelo dos bancos globais com varejo em muitos países se esgotou? 
TRABUCO –  Sim, aquela ideia de estar em todos os mercados deixou de existir. A realidade mudou aquele modelo de exibir a mesma propaganda em Nova York, na China, na Índia ou no Brasil. A regulação e as exigências de capital estão mais rigorosas, você não pode atuar em todos os países com a mesma intensidade. 
 
DINHEIRO – Como é a relação com o Banco do Brasil? O BB tirou  dos senhores o  Banco Postal, mas, ao mesmo tempo,  tem várias associações com o Bradesco... 
TRABUCO – Temos muito respeito pelo Banco do Brasil, eles mostraram competência comercial na disputa pelo Banco Postal. Os bancos estatais estão extremamente competitivos. Isso não nos impede de buscar alternativas de associação. Há áreas de negócio convergentes, que têm ganhos de escala e não prejudicam o poder de competição. Uma delas é o negócio de captura das transações de débito e crédito, que fazemos por meio da Cielo. Por outro lado, estava faltando uma bandeira de cartão de crédito brasileira que pudesse ajudar no processo de bancarização, por isso nos associamos ao BB e à Caixa para construir essa bandeira, a Elo. Temos ainda uma empresa de saúde, de transações médico-hospitalares,  chamada Orizon. Sem contar o compartilhamento dos equipamentos dos caixas 24 horas. Estamos com esse projeto junto com a Caixa e BB de compartilhar as máquinas fora das agências bancárias. Tudo o que for fora do ambiente dos três bancos – aeroporto, shopping, etc. – nós gostaríamos de compartilhar. É um luxo exagerado ter um parque enorme só para seus clientes, custa muito caro.. 
 
DINHEIRO – Em que estágio está o projeto do compartilhamento? 
TRABUCO – Está indo bem, por meio da Elo. Já começamos a operar conjuntamente alguns pontos. Em alguns shoppings, o cliente Bradesco já pode sacar nas máquinas do BB. 
 
DINHEIRO – O Bradesco pretende abrir o capital da seguradora? 
TRABUCO – Algum dia, isso poderá acontecer, mas não no curto e no médio prazo. Esperamos um ciclo de crescimento ainda muito forte nos próximos anos para as operações de seguros. O Brasil é a sexta economia do mundo, mas em seguros está no 17º lugar, consome em média US$ 300 per capita em prêmios por ano, enquanto a média dos países do G7 é acima de US$ 1.500. Se o Brasil chegar ao oitavo lugar, o mercado vai triplicar. Até setembro, os prêmios de seguro cresceram 20%. Esse mercado pode crescer, no mínimo, o dobro do PIB brasileiro. 
 
DINHEIRO – Quanto valeria essa empresa? 
TRABUCO – Ela responde por 30% do resultado final da organização. Mas não queremos dividir essa perspectiva de crescimento com mais ninguém, por enquanto. Por isso, não prevemos uma data para abrir o capital.  
 
DINHEIRO – Por muito tempo,  o Bradesco se debateu para criar um banco de investimentos competitivo. Esta área está resolvida? 
TRABUCO – Sim. O BBI é uma unidade de negócio especializada, mas que passou a ter vasos comunicantes junto à área corporate, que atende a grandes empresas. Por isso, o executivo responsável pelo corporate, Sérgio Clemente, é o mesmo que cuida do BBI, e isso tem dado um bom resultado.
 
Por Claudio GRADILONE e Tatiana BAUTZER

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